XXIV domingo do Tempo Comum

Reflexões sobre as leituras
de LUCIANO MANICARDI
"Ao longo do caminho" Jesus interroga os discípulos sobre a sua identidade e acolhe as suas respostas: é no seguir Jesus, concreto e quotidiano, que se clarifica para o discípulo a identidade de Jesus.
de LUCIANO MANICARDI
Ano B
O caminho de obediência do servo torna-se força para enfrentar com fé no Senhor a violência e a rejeição (Isaías); o caminho de Jesus é um itinerário de obediência e de fé, num Deus que se revela o Messias, chamado a conhecer a rejeição, a morte e a ressurreição (Evangelho).
"Ao longo do caminho" Jesus interroga os discípulos sobre a sua identidade e acolhe as suas respostas: é no seguir Jesus, concreto e quotidiano, que se clarifica para o discípulo a identidade de Jesus. A autêntica confissão de Jesus acontece existencialmente. A identidade daquele a quem se confessou atrai e implica a identidade d'Aquele que confessa: é na sua vida que o cristão confessa Cristo. Ou melhor: enquanto dizemos que somos cristãos é importante que tenhamos consciência que ainda nos devemos tornar cristãos. A obediência à vontade de Deus manifesta-se no corpo e nas relações, na existência e na morte. Até à morte! É a lição, recordada pelo velho Bispo Inácio de Antioquia, que, com o martírio à vista, escreve aos cristãos de Roma: "Agora começo a ser discípulo" (Ai Romani V,3).
A obediência de Jesus manifesta-se na expressão que diz que o Filho do Homem "deve" sofrer muito (Mc 8,31). Este “dever” não remete para uma imposição do alto, para uma vontade cruel de Deus e menos ainda para espalhar o sangue, para satisfazer a ira de um Deus em cólera para com os homens pecadores. Aquele “dever” vai ao encontro da liberdade de Jesus com as exigências das Escrituras, isto é da vontade de Deus expressa nas Escrituras (“...não dizem as Escrituras que o Filho do Homem tem de padecer muito e ser desprezado?" Mc 9,12). Daqui flui o caminho de Jesus. Caminho que o leva a viver a paixão e a morte na fidelidade a Deus, no amor e na liberdade. Jesus sabe que, mesmo na rejeição e no abandono em que os homens o deixaram, o Senhor Deus o assiste (cf. Is 50,7). Em vez de suscitar imagens preversas de Deus, aquele "dever" implica o escândalo de um Deus que escolheu dar-se a conhecer aos homens pela cruz (cf. Mc 15,39), lugar simbólico que reune os homens nos infernos existenciais em que se pode precipitar, mas também paradoxal lugar de salvação universal.
Enquanto revela o caminho paradoxal de Deus ao encontro do homem, o caminho de Jesus torna-se também o escandaloso caminho que o discípulo deve seguir. A palavra que Jesus anuncia (“Jesus falava abertamente”: Mc 8,32 lett.) é sempre a escandalosa e paradoxal "Palavra da cruz” (1Cor 1,18) que muda os pensamentos e caminhos do homem (como o que acontece com Pedro: Mc 8,32-33). Na verdade, “os meus planos não são os vossos planos, os vossos caminhos não são os meus caminhos” (Is 55,8). Por isso é importante que Jesus permaneça para os crentes uma interrogação: “Quem dizeis vós que eu sou?” e não seja apenas uma resposta. Só assim Jesus será verdadeiramente o Senhor.
Aos discípulos e às multidões Jesus pede para renegarem-se a si mesmos, tomarem a sua cruz, perderem a vida (cf. Mc 8,34-35): palavras que vão contra a atual vaga espiritual-psicológica que reduz o cristianismo a dilatações de si mesmo e à procura de um bem estar interior. Mas tratam-se de palavras que, absolutizadas, distorcem bastante a visão da vida cristã tranformando-se em ponto de partida para neuroses e esquecendo que o centro da vida de Jesus e do crente é o amor, uma vida consumida livremente pelo amor até à morte. Jesus amou Deus e os homens, uma escolha sem retorno. A renúncia e a perda de Jesus, como do cristão, encontram sentido no seio deste amor. Renegar-se e tomar a própria cruz quer dizer renunciar a defesa e carregar os instrumentos da própria condenação à morte; ou seja, sair dos mecanismos de autojustificação e abandonar-se totalmente ao Senhor. Quando todos os apoios humanos escassearem e o sentido do caminho parecer indecifrável então a atitude que o Evangelho designa por "perder a própria vida", "tomar a cruz" revelar-se-ão essenciais para prosseguir o caminho com uma fé cada vez mais despida e autêntica.
LUCIANO MANICARDI
Comunidade de Bose
Eucaristia e Parola
Textos para as Celebrações Eucarísticas - Ano B
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