Páscoa do Senhor - 2011
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Bose, 24 Abril 2011
Homilia de ENZO BIANCHI
Apenas disto, nós terrestres, temos necessidade: de acreditar que o amor que vivemos, o amor partilhado com aqueles que amámos e que amamos (...) é um amor que permanece, que contém qualquer coisa da Eternidade, um amor que nos permite dizer no presente e no futuro: "Eu amo, mesmo quando o outro que eu amo, já não está."
escuta: homilia de ENZO BIANCHI, Prior de Bose
Caríssimos,
Com esta Vigília, chegámos à plenitude do Tridúo Pascal, ao terceiro dia, ao "tudo está consumado" (cf. Jo 19,30); um «tudo está consumado» cantado pelo Cristo vivo e glorioso, ressuscitado para sempre, um «tudo está consumado» cantado pela Igreja, por aqueles que seguiram Jesus e que o aclamam Kýrios, Senhor.
A longa Vigília, em que escutámos as Santas Escrituras do Antigo e do Novo Testamento, permite-nos contemplar a história da salvação, a acção de Deus, do in-princípio até ao cumprimento das suas promessas em Cristo. Esta Vigília tem, sobretudo, um objectivo: fazer-nos compreender a Páscoa, a ressurreição e fazer-nos participantes deste mistério, o mistério da vitória de Deus sobre a morte, do "Deus" que "é amor" (1Jo 4,8.16) sobre a morte. Porque apenas disto, nós terrestres, temos necessidade: de acreditar que o amor que vivemos, o amor partilhado com aqueles que amámos e que amamos, o amor de que fomos capazes - combatendo o nosso egoísmo, a nossa philautía, a nossa vontade de sobreviver sem os outros, talvez até contra os outros, mas realmente de viver sobre, de sobre-viver - enfim, esse amor, é um amor que permanece, que contém qualquer coisa de Eternidade, um amor que nos permite dizer no presente e no futuro: "Eu amo, mesmo quando o outro que eu amo, já não está." Por causa desta esperança, porque nós, homens, temos necessidade de compreender, de perceber, sobretudo, a nossa morte, queremos escutar o que o Evangelho, a Boa Nova nos diz desta vitória do amor sobre a morte.
Nos dias precedentes detivemo-nos na perícope da Última Ceia, quando Jesús deu o sinal do seu amor - a eucarístia -, e detivemo-nos ainda na Paixão vivida por Jesús, enfatizando o facto de ter respondido, primeiro com a Eucarístia, que mais não é do que a prefiguração da Paixão e depois com a vida, com um único Ámen: um ámen dossológico a Deus Pai, mas também um ámen àqueles que tinham sido seus irmãos, que se tinham envolvido na sua vida, irmãos que se tinham junto e mostrado adversários e persecutores. E concluimos a meditação de Sexta feira Santa com a sepultura de Jesús, com a espera da resposta do Pai. Jesús respondeu - podemos resumir -, respondeu a todos, "amando até ao fim" (cf. Jo 13,1) e sem nunca contradizer o amor. Mas, quando colocou tudo nas mãos do Pai, quando expirou (cf. Lc 23,46; Sal 31,6), Jesús espera uma resposta. Para os Homens, para Pedro, para Judas, para os outros dez, para os Sumo-sacerdotes, para o poder político romano, com a morte de Jesús, fechou-se, de facto, um ciclo: um túmulo, com uma pedra sobre a entrada, diz, até de forma visual, que tudo estava terminado. Segundo Mateus existem mesmo guardas que vigiam a sepultura, para que se mantenha fechada, para que ninguém a abra, para que ninguém venha roubar o cadáver e depois invente a fábula, a lenda de que ressuscitou (cf. Mt 27,62-66).
Mas, ao amanhecer do primeiro dia, depois do sábado, Maria de Magdala e a outra Maria, foram visitar o sepulcro. E eis que, enquanto olham para o sepulcro, são surpresas por uma revelação. Um anjo do Senhor, o anjo-intérprete da Palavra de Deus, o anjo-intérprete dos acontecimentos que Deus realiza na história, pois bem, este anjo, diz às mulheres: " Não tenhais medo. Sei que buscais Jesús, o crucificado; não está aqui, pois ressuscitou, como havia dito. Vinde, vede o lugar onde jazia e ide depressa dizer aos seus discípulos: Ele ressuscitou dos mortos e vai à vossa frente para a Galileia. Lá o vereis." Estas palavras do anjo-intérprete que já ouvimos tantas vezes, porque são o anúncio pascal por excelência, são também o essencial da boa notícia para os homens. Jesús, o crucificado, aquele que morreu na cruz, ressuscitou e o túmulo está, de facto, vazio. São palavras que parecem insensatas, contra a razão, sobretudo conta a evidência da morte enquanto realidade de que nenhum homem, jamais, voltou. E, contudo, estas palavras de interpretação querem dizer uma verdade que é muito maior do que um milagre, muito mais profunda que o extraordinário conteúdo do anúncio: «Eghérte», «Ressuscitou, despertou!». Este é o grito da Igreja, o grito litúrgico mas, como disse Pedro, na sua primeira homília depois do Pentecostes, este grito continua a significar: «Deus ressuscitou-O, libertando-O dos grilhões da morte, pois não era possível que ficasse sob o domínio da morte» (cf. At 2,24;32). Deus, o Pai de Jesús, aquele que Jesús invocava na fé e chamava: «Abba, Pai» (Mc 14,36), respondeu-Lhe do lado de lá da sua morte.
Jesus morreu, morreu realmente, como morre um homem, como morre uma vida animal. Mas Deus levantou-O da morte e deu-Lhe a sua vida divina, a vida eterna. Não reanimou um cadáver, não deu vida a um morto - atenção! - mas deu-Lhe a sua própria vida, a vida divina, a vida eterna. A propósito, um dos textos mais antigos que possuimos, mais antigo que os Evangelhos, o prólogo da Carta de S. Paulo aos Romanos, diz: «Cristo Jesús … nascido da descendência de David segundo a carne, constituído Filho de Deus em poder, segundo o Espírito santificador pela ressurreição de entre os mortos,...» (Rm 1,1.3-4). Eis a resposta do Pai a Jesús, que revelara plenamente a Paternidade de Deus nos seus encontros. É a resposta do Pai à morte filial de Jesús. Se há uma revelação de Deus Pai, para nós cristãos, não vem da invocação feita por Jesús: "Pai-nosso" (Mt 6,9), mas vem, sobretudo, da acção com que Deus fez resurgir Jesús e fê-Lo seu filho. Não apenas, mas significativamente, Paulo na sua prédica diante dos Judeus de Antioquia de Pisídia afirma: «Deus cumpriu (a promessa) ... ressuscitando Jesús, como está escrito no salmo segundo" (At 13,33) : “Tu és meu filho, Eu hoje te gerei" (Sal 2,7). Esta exegese do Apóstolo sobre o Salmo 2 é uma exegese canónica, portanto definitiva: a morte na cruz, de Jesús é, na realidade, um nascimento para a plenitude da vida; porque Jesús soube morrer como filho, o Pai tinha - podemos dizer - de se mostrar Pai e assim levantar o seu filho da morte.
À luz desta morte que gera Jesús como filho de Deus, compreendemos também algumas palavras dispersas na Carta aos Hebreus. Jesús que veio ao mundo (cf. Heb 10,5), que "aprendeu a obediência por aquilo que sofreu" (cf. Heb 5,8) durante toda a sua vida, até à sua paixão e morte, na morte filial pode, de facto, dizer em plenitude: «Abba, Pai», sem nenhuma reserva, oferecendo totalmente a sua vida a Deus. Queremos pôr lado a lado as palavras de Jesús e as palavras do Pai, segundo a Escritura. Jesús disse: «Pai, nas tuas mãos entrego o meu Espírito», as suas últimas palavras antes de expirar. E o Pai acolhe Jesús na morte dizendo-Lhe: «Tu és meu filho, Eu hoje te gerei». Eis onde está o "tudo está consumado" de Jesús, o Ámen de Jesús ao Pai, mas podemos agora também dizer, o Ámen do Pai a Jesús. Jesús foi fiel, foi um Ámen ao Pai; e o Pai é fiel, é o Ámen a Jesús.
Jesús definira a sua morte como um baptismo. Tinha falado aos discípulos num baptismo que devia receber (cf. Lc 12,50). E, de facto, assim se compreende como a morte de Jesús se transformou num grande baptistério: cada homem que morre é imerso neste baptistério e, na própria morte, encontra a morte de Jesús. A nossa morte é imersa na sua morte e, com Ele, nós conhecemos o que é levantarmo-nos, ou, melhor, o que é ser ressuscitado da morte através de uma acção de Deus que não só nos levanta como nos dá a vida, nos faz plena e radicalmente seus filhos.
Basta recordar as palavras com que Jesús sentiu que devia também questionar os discípulos, falando da sua morte como baptismo: «Podeis beber o cálice que Eu vou beber e receber o baptismo que eu vou receber?» (Mc 10,38). Também para cada um de nós a morte é um baptismo. Compreendemos, por isso, bem a expressão que ouvimos na Carta de Paulo aos Romanos: "Pelo baptismo fomos, pois, sepultados com Ele na morte, para que, tal como Cristo foi ressuscitado de entre os mortos pela glória do Pai, também nós caminhemos numa vida nova."(cf. Rm 6,3-4) e a morte de Cristo é o verdadeiro baptistério em que todos os homens são, de alguma forma, imersos: crentes ou não crentes, cristãos ou não cristãos, a sua morte encontra sempre a morte de Jesús e a morte de Jesús não é mais estranha à nossa, de homens. Alguns Padres da Igreja ousaram mesmo dizer que, precisamente na morte, encontraremos a purificação dos nossos pecados, porque a morte é um baptismo mais radical do que o baptismo sacramental que recebemos e que deu início à nossa vida Cristã. «Nas tuas mãos, Pai, entrego o meu Espírito» deveremos dizer e cada um de nós deverá dizê-lo; e cada um de nós escutará a voz de Deus: «Tu és meu filho, Eu hoje te gerei». Porque na morte seremos gerados para a vida eterna, participaremos da vida de Deus. A resposta do Pai a Jesús é também a resposta do Pai a cada um de nós, porque se não tivesse havido esta resposta também para nós – e é sempre Paulo quem no-lo diz –, então não teria sido dada uma resposta, sequer a Jesús. Atenção, na Primeira Carta aos Coríntios, o apóstolo di-lo claramente: «Pois, se os mortos não ressuscitam, também Cristo não ressuscitou"(cf. 1Cor 15,16). Não afirma apenas: «Mas se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e vã é também a vossa fé» (cf. 1Cor 15,14.17), mas também: "Pois, se os mortos não ressuscitam , também Cristo não ressuscitou". Afirmação escandalosa, que Paulo confirma dizendo: «E se nós temos esperança em Cristo apenas para esta vida, somos os mais miseráveis de todos os homens» (cf. 1Cor 15,19).
A concluir este percurso que procurámos fazer, desde a última ceia até à ressurreição, podemos dizer que Jesús fez ao Pai uma grande Eucarístia, ergueu ao Pai um grande agradecimento. O Pai reconheceu este louvor, acolheu-o e com a sua acção ressuscitou-O, confirmando a sua Eucarístia. Mas esta confirmação de Jesús é sobretudo um selo: tendo Jesús vivido o amor até às últimas consequências, é digno de ser chamado «meu filho», de ser Filho do Deus que é amor, do Deus que, sendo amor, vence a morte. Agrada-me pensar que no seio da vida trinitária em que Pai, Filho e Espírito Santo, num movimento circular, numa perichoresis, permutam a vida, o Pai acolhe a Eucarístia do filho, o agradecimento do filho, no Espírito Santo, mas agradece também ao filho por ter sido fiel e por tê-lo revelado a todos nós, Homens. De facto, a Ssma. Trindade é uma Eucarístia recíproca na qual, todos, somos convidados a participar.
ENZO BIANCHI