La vita cristiana
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XV domingo do Tempo Comum, ano B, 12 julho 2015
Mc 6,7-13
Reflexão sobre o Evangelho por Enzo Bianchi
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos
Naquele tempo, Jesus chamou os doze Apóstolos e começou a enviá-los dois a dois.
Deu-lhes poder sobre os espíritos impuros e ordenou-lhes que nada levassem para o caminho, a não ser o bastão: nem pão, nem alforge, nem dinheiro; que fossem calçados com sandálias, e não levassem duas túnicas. Disse-lhes também: «Quando entrardes em alguma casa, ficai nela até partirdes dali. E se não fordes recebidos em alguma localidade, se os habitantes não vos ouvirem, ao sair de lá, sacudi o pó dos vossos pés como testemunho contra eles». Os Apóstolos partiram e pregaram o arrependimento, expulsaram muitos demónios, ungiram com óleo muitos doentes e curaram-nos.
Quando um profeta é rejeitado na sua própria casa, pelos seus, pela sua gente (cf. Mc 6,4), só pode ir-se embora e procurar outros que o ouçam. Foi isso mesmo que os profetas do Antigo Testamento fizeram, indo ter com os gojim, os não-hebreus e dirigindo-lhes a palavra e as ações portadoras de bem (se pensarmos por exemplo em Elias e Eliseu; cf., respetivamente, 1Re 17 e 2Re 5). O próprio Jesus não pode fazer outra coisa, porque a sua missão de "ser voz" da palavra de Deus deve ser realizada pontualmente de acordo com a vocação recebida.
Recusado e contestado pelos seus em Nazaré, Jesus percorre as aldeias à volta para pregar a boa-nova (cf. Mc 6,6) de forma incansável mas, a um certo ponto, decide alargar este seu "serviço da Palavra" também aos doze, à sua comunidade. Por que razão? Certamente para os envolver na sua missão, de modo a que fossem um dia capazes de a continuar por eles mesmos; mas também para ter algum tempo para si, ficar recolhido e assim poder pensar e reler o que lhe desperta as suas palavras e as suas ações. Por isso envia-os em missão pelas terras da Galileia, com o objetivo de anunciar a mensagem, tal como Ele tinha começado a fazer: “Completou-se o tempo e o Reino de Deus está próximo; arrependei-vos e acreditai no Evangelho” (Mc 1,15). Envia-os dois a dois, porque também a missão não pode ser um trabalho individual, mas deve ser sempre orientado para a partilha, da corresponsabilidade, da ajuda e da vigilância recíproca. Em particular, para os enviados, ir dois-a-dois significa confiarem na dimensão da partilha de tudo o que se faz e do que se tem, porque se partilha tudo aquilo que se é, em relação ao único mandante, o Senhor Jesus Cristo.
Mas se a regra da missão é a partilha, a comunhão visível, que se experimenta e manifesta no dia-a-dia, o estilo da missão é muito exigente. A mensagem, com efeito, não é isolada de quem a prega e do seu modo de viver. Como seria possível transmitir uma mensagem, uma palavra, que não é vivida por quem a pronuncia? Que autoridade teria uma palavra dita e pregada, ainda que com arte e oratória, se não fosse coerente com a vida de quem a proclama?
A autoridade de um profeta – reconhecida a Jesus desde o início da sua vida pública (cf. Mc 1,22.27) – depende da sua coerência entre o que diz e o que vive: só assim é credível, de outra forma quem a prega transforma-se num obstáculo, num escândalo para quem o escuta. Neste caso seria melhor calar-se e de-missionar-se, isto é, demitir-se da missão!
Por estas razões Jesus não se detém sobre o conteúdo da pregação, não dá recomendações do tipo doutrinário, mas, ao contrário, pormenoriza “como” devem mostrar-se os enviados. Para Jesus, o testemunho de vida é mais decisivo do que o testemunho da Palavra mesmo que ainda não a tenhamos compreendido.
Nestes últimos trinta anos falámos muito de evangelização, de nova evangelização, de missão – e não existe Encontro de Igreja que não aborde esta temática! –, enquanto dedicámos pouca atenção ao "como" se vive aquilo que se prega. Empenhados em procurar como se prega, fechámo-nos no estilo, na linguagem, nos elementos de comunicação (quantos livros, artigos e revistas "pastorais" multiplicados inutilmente!), procurando novos conteúdos da Palavra, descurando o testemunho de vida: e os resultados estão à vista, sob o signo da esterilidade!
Atenção, no entanto: Jesus não dá diretivas para que as reproduzamos tal e qual. Prova disto é que nos evangelhos sinóticos estas diretivas mudam segundo o lugar, o clima e a cultura em que os missionários se encontram. Nenhum idealismo romântico, nenhum pauperismo lendário, como o do “semelhantíssimo a Cristo” Francisco de Assis, mas um estilo que permita olhar não tanto para si próprio, mas para modelos que remetam para o único Senhor que é Jesus Cristo. É um estilo que deve exprimir, antes de tudo, descentramento: não dá testemunho do missionário, da sua vida, da sua ação, da sua comunidade, do seu movimento, mas testemunha a gratuidade do Evangelho, a Glória de Cristo.
Um estilo que não se fia nos meios que possui mas, ao contrário, redu-los ao mínimo, para que estes, com a sua força, não turvem a força da palavra do “Evangelho, poder de Deus” (Rm 1,16).
Um estilo que deixa antever a vontade de despojamento, de uma missão sem pesos e bagagens inúteis, que vive da pobreza como capacidade de partilha daquilo que se tem e daquilo que nos é dado de forma a que não surja como acumulação, reserva ou segurança. Um estilo que não se fia na própria palavra sedutora que atrai e maravilha mas não converte ninguém, porque satisfaz os ouvidos mas não penetra no coração. Um estilo que aceita aquela que é talvez a prova mais dura para um missionário: o falhanço. Tanto esforço, tanto cansaço, tanta dedicação, tanta convicção e... no fim nada: o falhanço.
Foi isto que Jesus experimentou na hora da sua paixão. Só, abandonado, sem discípulos e sem ninguém.
E, se a Palavra de Deus vinda ao mundo conheceu a recusa, a oposição e também o falhanço (cf. Jo 1,11), pode a palavra do missionário pregador conhecer outro caminho?
Com esta consciência, o enviado sabe que aqui e ali não será aceite mas rejeitado, assim como em alguns lugares será bem sucedido. Não há que temer; rejeitados, dirigimo-nos a outros e sacudimos o pó das sandálias para dizer: “Vamo-nos, mas não queremos sequer levar o pó que se agarrou aos nossos pés. Não queremos mesmo nada!”. E assim podemos continuar a pregar, aqui e ali, até aos confins do mundo, fazendo com que a Igreja nasça e renasça sempre. E isto acontece se os cristãos souberem viver, não se souberem pregar... O que é deteminante hoje, mais do que nunca, não é um discurso, ainda que bem feito sobre Deus, que não interessa a ninguém; não é a construção de uma doutrina refinada e expressa racionalmente; não é o esforço para tornar cristã a cultura, como tanto pensam.
Não, o que é determinante é viver, simplesmente viver ao estilo de Jesus: simplesmente ser homem como Jesus foi homem no meio de nós, dando confiança e esperança, ajudando os homens e as mulheres a caminhar, a levantarem-se, a curarem-se das suas maleitas, pedindo a todos que compreendam que só o amor salva. Assim Jesus tirava terreno ao demónio (“expulsava os demónios”) e fazia reinar Deus sobre os homens e as mulheres que, graças a Ele, conheciam a extraordinária força do recomeço, do viver e do viver melhor…
Nós cristãos vivemos este Evangelho ou pelo menos proclamamo-lo com palavras, sem nos darmos conta da nossa esquizofrenia entre mente e vida? A vida cristã é uma vida humana conforme à vida de Jesus, não uma doutrina, não uma ideia, não uma espiritualidade terapêutica, não uma religião orientada para cuidar do próprio eu!