Uma vida oferecida de livre vontade e por amor

O evangelista quer assim ritualizar a mensagem da Eucaristia, recordando que ou ela é serviço recíproco, dom da vida pelo outro, amor até ao fim, ou então é apenas um ritual que pertence ao "quadro" deste mundo. Podemos dizer que a intenção de João é que o sacramento do altar seja lido e vivido sempre como o sacramento dos Irmãos. A celebração eucarística com o pão partido e o vinho oferecido e o serviço concreto, quotidiano ao Irmão evocam-se mútuamente, como as duas faces de participação no mistério Pascal de Cristo. O gesto de Jesús, contado lentamente, como que em "câmara lenta", para que fique bem impresso na mente dos discípulos de todos os tempos: Jesús tirou o manto, tomou uma toalha, atou-a à cintura, deitou a água na bacia, começou a lavar os pés, enxugou-os, colocou o manto.... são verbos de acção que acentuam a realidade, a plasticidade da cena. É um gesto que Jesús faz conscientemente: Jesús, o Kyrios, o Senhor, lava os pés aos discípulos. Gesto incomum, paradoxal, que inverte os papéis; gesto escandaloso, como testemunha a reacção de Pedro! Contudo, mesmo assim, Jesús cumpre-o, "anuncia" Deus na medida em que faz de Deus a "boa notícia" para todos nós.

Duas acções diversas, duas representações sacramentais, dois sinais que falam da mesma realidade: Jesús dá a sua vida de livre vontade e por amor, é conduzido à morte fazendo-se escravo. Por isso, como no gesto eucarístico, também no gesto de lava-pés, dá a seguinte indicação: "Ora, se Eu, o Senhor e o Mestre, vos lavei os pés, também vós vos deveis lavar os pés uns aos outros." (Jo 13, 14). E a igreja, se deseja ser Igreja do Senhor, o mesmo deve fazer em obediência ao seu mandato: partir o pão, oferecer o vinho, lavar os pés na assembleia dos crentes e na história dos Homens.

ENZO BIANCHI
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